Quais as diferenças entre união estável e casamento formal?
R. O Casamento estabelece a comunhão plena de vida, a teor do que dispõe o art. 1511 do Código Civil. Isso significa que a sociedade civil, com base na legislação, reconhece a união entre as pessoas, através do casamento. Comunhão plena de vida é a aquisição de direitos e aceitação de deveres na órbita da constituição de uma família, pois a finalidade do casamento é a organização social que se divide em núcleos familiares. A prova do casamento se faz, a priori, com a apresentação da certidão de casamento expedida pelo Oficial do Registro Civil. Nela especifica-se o regime de bens escolhido para vigorar na vigência da união. Se o regime for o legal (o que a lei diz que deve vigorar caso os nubentes silenciem sobre a opção), não há necessidade de lavratura de pacto antenupcial; caso contrário, optando por regime diferenciado, previsto em lei, deverão solicitar a um tabelião a expedição de escritura de pacto antenupcial para regulamentar a comunicabilidade ou não dos bens já adquiridos ou que venham a se-lo a partir da realização do casamento. Este pacto, depois de celebrado o casamento, será inscrito no Registro de Imóveis, para controle das comunicabilidades ou não.
A União Estável surgiu a partir de decisões judiciais reiteradas que formaram jurisprudência. Em seguida iniciaram-se tentativas de regulamentação, eis que muito se confundia com o concubinato. Primeiro a Lei 8971/94 reconheceu ao companheiro sobrevivente o direito à sucessão legítima e o instituto dos alimentos. Mas precisava-se de um regulamento mais ousado que acompanhasse a novidade trazida na Constituição Federal de 1988 que ao contrário da anterior não reconhecia a União Estável, até mesmo porque tratava-se de discussão recente. Surgiu a lei 9278/96 regulamentando o art. 226, §3º da Constituição Federal. Definiu o que é a União Estável, competência para tratar o assunto direcionada às varas de família (antes as discussões estavam nas varas cíveis), criou o direito real de habitação ao convivente sobrevivente, assim como avançou permitindo a sua conversão em casamento civil.
A União Estável foi incorporada ao Código Civil de 2002, confirmando sua existência no plano jurídico-social. O art. 1727 do Código Civil trata do concubinato, afastando a relação não eventual, ou seja, de quem está casado, do plano da união estável. Mas, essa compreensão já obtém interpretações diversas nos tribunais, quando já se aceita que alguém casado viva em união estável com outra pessoa, ou que se mantenha união estável com mais de uma pessoa. As formações familiares estão sofrendo inúmeras composições, justamente a partir da elasticidade de interpretações nessas normas que não podem ficar à mercê de sua letra legal, mas de uma interpretação voltada aos direitos de liberdade e individualidade que toda pessoa humana tem, almejando a felicidade. A pessoa pode estar impedida de casar (pessoa separada ou casada não pode casar com outro antes do desfazimento do vínculo do casamento), mas pode constituir União Estável.
Quando as pessoas se casam e escolhem o regime de bens, como dito, em alguns casos devem escolher o regime e lavrarem o pacto. Na União Estável isso não ocorre, pois basta o contrato escrito entre os conviventes. Ou seja, o regime jurídico para a União Estável é mais simples do que para o casamento. E a publicidade desse contrato só ocorrerá com o registro na Serventia de Títulos e Documentos. Ou seja, enquanto o casamento tem o regime de bens publicizado obrigatoriamente, pois o casamento tem forma solene e lugar próprio, no Registro Civil de Pessoas Naturais, a União Estável depende da vontade das partes em levar ao conhecimento público através da inscrição no Registro Público, no caso, o Registro de Títulos e Documentos. Senão, vigorará somente entre os conviventes e, para terceiros o regime a ser considerado será o regime da comunhão parcial, somente.
O Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça de Santa Catarina prevê esse registro do Pacto particular ou Público da União Estável, norma esta que veio de encontro a essa falta de regulamentação legal, pois a Corregedoria compreendeu a importância de ser efetuado o registro, tanto para a segurança do Registrador de Imóveis que transfere propriedades a todo momento, quanto para terceiros que contratam com conviventes.
União estável e Casamento Civil são dois institutos do nosso ordenamento jurídico que estão cada vez mais próximos, inclusive porque sobre a primeira recaem as mesmas causas suspensivas, deveres e regimes de bens que são regulados para o casamento. Já, na questão de filiação, não sofre qualquer diferenciação em qualquer aspecto. Quanto ao desfazimento, enquanto naquela pode ocorrer por simples distrato, averbado no registro do contrato ou registro da escritura de união estável (ambos no Registro de Títulos e Documentos), se houver sido registrado o contrato, o Casamento deve ser desfeito por escritura pública ou sentença judicial a ser averbada no Registro Civil, em todos os casos para efeito em relação a terceiros. Fora isso, em ambos os casos o desfazimento ocorre pelo falecimento.
Em suma, as regras para o casamento são claras, específicas para ele, então trazem mais segurança para a relação jurídica que se estabelece entre o casal. As regras para a União Estável ainda estão separadas, podendo o intérprete não tratar a união da mesma forma que o casamento em alguns aspectos. Mas há a forte tendência de anulação de diferenças.
Quais são os tipos de união que existem atualmente? Por favor, explique cada uma.
R. Nos últimos dois anos, mais especificamente, ampliou-se o número de formas familiares no Brasil, principalmente a partir da decisão do STF em relação à conversão da união homoafetiva em casamento. E isso abriu a possibilidade, já regulamentada por algumas Corregedorias de Justiça, para o casamento homoafetivo ser habilitado independente de prova de existência de união estável, ou seja, o casamento direto. Não temos como afirmar que hoje existe um número que identifique sequer aproximadamente os tipos de uniões. Além da família tradicional formada a partir do casal de um homem e uma mulher unidos pelo casamento civil, temos os casais do mesmo sexo, assim como também há a situação dos transgêneros, em que pessoas possuem um sexo físico diferenciado do sexo psicológico e se unem com alguém do sexo masculino, ou feminino, ou até mesmo outro transgênero. E nesses casos, alguns adaptaram sua situação física ao psicológico através de cirurgias autorizadas pelo judiciário, mas outros lhes foi permitido, por decisões também judiciais, a adequarem o sexo constante na certidão de nascimento à sua condição psicológica, independente da cirurgia. Veja bem, falo de transgêneros, não de transexuais. Outra formação que encontramos é do que a doutrina e jurisprudência vem chamando de poliamor em que não há mais um dueto, mas um trio ou um quarteto formando uma nova identidade familiar. Esta formação, entretanto, somente está conseguindo o reconhecimento como entidade familiar a partir de escrituras públicas, que ao meu entender podem ser também estabelecidas por contratos particulares, mas de qualquer forma também devem ser inscritas em Registro de Títulos e Documentos para efeito em relação a terceiros. Mas, em breve, provavelmente, teremos casamentos civis com esses arranjos.
Há índices de qual tipo impera em Santa Catarina? Se tiver, por que esse tipo é o mais escolhido?
R. Infelizmente, a partir dos registros públicos, não temos como levantar dados buscando índices. Como visto, somente o casamento é registrado obrigatoriamente para a sua validade. Os demais arranjos independem de inscrição no registro público, e alguns ainda não são permitidos, o que dificultaria o levantamento. Somente o IBGE com o censo pode expor uma idéia dos grupos que estão se formando. Com certeza o casamento civil entre um homem e uma mulher ainda é o tipo de união mais realizada, pois todas as modificações nos arranjos familiares são muito recentes e não tem como uma sociedade com bases historicas e especialmente religiosas muito conservadoras escancarar para o novo tão imediatamente. As mudanças ocorrem, mas as decisões judiciais surgem inovando por falta de legislação, pois o judiciário avança na aplicação dos direitos constitucionais do indivíduo, protegendo-o de situações jurídicas que o marginalizem. As decisões remetem à proteção de direitos individuais, acima de pré-conceitos sociais. E a cultura para o novo é sempre algo distante de uma sociedade desprovida de informação como a nossa.Veja bem, a questão dos transgêneros passa pela psiquiatria; da homoafetividade, pelo afeto e assim por diante.
Quando é possível fazer a alteração do regime de bens? Desde quando isso é possível (data)? O que precisa ser feito?
R. O regime de bens no Código Civil de 1916, que vigorou até janeiro de 2003 era irrevogável. O Código Civil de 2002, vigorando a partir de 12 de janeiro de 2003 trouxe a quebra do instituto da imutabilidade do regime de bens. Muito discutiu-se o alcance dessa regra, mas a tendência é de que esteja pacificada no sentido em que, ficando preservados os direitos de terceiros em relação ao regime anterior à alteração, pode ser alterado o regime na constância do casamento, adaptando-o à vontade do casal. Assim, a qualquer momento pode ser solicitada ao Juiz de Direito, num pedido de jurisdição voluntária, a mudança do regime de bens, devidamente fundamentada. A sentença do juiz basta para a alteração do regime, prescindindo a escritura de novo pacto. Vejo como exceções ao pedido de alteração os casos em que o casal tenha casado sob efeito de causa suspensiva para o casamento, como o menor que necessitou de consentimento judicial para casar e o maior de 70 anos, por exemplo. No primeiro caso, a possibilidade depende da extinção da causa suspensiva, qual seja, a menoridade. No segundo caso, vejo como impossibilidade de alteração, eis que o maior de 70 anos sempre será maior de 70 anos. A exceção dessa exceção seria nova alteração legislativa. O Código Civil de 2002 trouxe esse limite de idade aos 60 anos e posteriormente sofreu alteração. Mas, ainda "advogo", como registradora, obviamente, a idéia de que há a possibilidade de alterar sempre, inclusive nesses casos que citei, mas aí, para regime de bens que absorva a condição de incomunicabilidade. Explico melhor. Tanto no caso daquele menor, como no do maior de 70 anos, poderiam inclusive se habilitar no regime de separação convencional de bens, visto que este regime tem alcance muito mais amplo de incomunicabilidade do que o da separação obrigatória (ou legal) de bens, que tem interpretação elastecida pela Sumula 377 do STF, vigorando quase como uma Comunhão Parcial de Bens.
(Entrevista de Cristina Castelan Minatto à Revista Eletrônica da ANOREG/SC)